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Relacionamentos e concubinatos no passado
Relacionamentos e concubinatos no passado

Na sociedade hierarquizada e excludente do Brasil colonial, as desigualdades social, racial e de origem entre os noivos obstaculizavam os casamentos legais. Quase sempre o Estado português impedia a união entre pessoas de condições desiguais, chegando a instaurar processos para examinar a origem dos nubentes. Em consequência, negros e mulatos só podiam casar com pessoas de igual condição. Contudo, a falta de mulheres brancas na colônia empurrava muitos homens brancos para relacionamentos com mulheres de cor. Dificilmente esses relacionamentos eram oficializados na igreja, haja vista a rigidez da legislação portuguesa, resultando em concubinatos, alguns passageiros, outros duradouros.

O concubinato com homens brancos, por um lado, era vantajoso para as mulheres negras e mulatas vez que, ao alcançarem a liberdade, conseguiam diminuir o estigma da escravidão e da cor, para elas próprias e, sobretudo, para seus descendentes. Por outro lado, a situação de concubinas lhes negava os privilégios legais inerentes à condição de esposa. O casamento oficial permitia à mulher tomar posse do pecúlio do marido, mas a concubinagem não, a não ser que a companheira fosse agraciada no testamento, o que frequentemente acontecia. Algo que parecia positivo no concubinato, todavia, era o fato de que evitava a perpetuação, nos documentos oficiais, dos estigmas de cor e da antiga condição de escrava da mãe. 

Em uma sociedade na qual a linhagem era supervalorizada e na qual a "marca" da escravidão era passada de geração em geração, a ocultação de uma origem escrava e negra na família era considerada vantajosa. Era o processo de "branqueamento", tanto biológico como social, que muitas ex-escravas legavam a seus descendentes.

A Igreja Católica tentava como podia reprimir o concubinato, considerado crime. De tempos em tempos, as vilas e arraiais eram visitados por bispos, as chamadas Visitas Eclesiásticas, com o intuito de apurar os crimes morais e de fé praticados pelos habitantes da colônia. Os moradores eram compelidos a confessar seus próprios crimes e a delatar outras pessoas. Nesses momentos, alguns confessavam o que já era público e notório, enquanto outros aproveitavam da situação para se vingar de vizinhos ou inimigos. Contudo, a Igreja, apesar dos intentos, por muito tempo não conseguiu controlar a proliferação dos concubinatos no Brasil.

A miscigenação de africanos no Brasil ocorreu sobretudo através de concubinatos envolvendo mulheres negras ou mulatas e homens brancos de origem portuguesa. Em um levantamento de pessoas acusadas de concubinato na Comarca do Rio das Velhas, em Minas Gerais, entre 1727 e 1756, os números mostram que entre os concubinos, 92% eram homens brancos. Porém, das concubinas, 52,1% eram africanas, 35,1% crioulas (negras brasileiras) ou mestiças, e apenas 11,8% eram brancas. Havia, portanto, um nítido predomínio de concubinato envolvendo um homem branco (92%) e uma mulher negra ou mulata (87,2%).61 Por muito tempo, a historiografia associava a prática disseminada da concubinagem no Brasil colonial à ausência de moral, à condição de extrema pobreza desses indivíduos, aos parcos recursos para realizar um casamento, à pouca disponibilidade de mulheres brancas etc. Estas explicações não levavam em conta a influência das culturas africana e indígena nesse contexto. As mulheres africanas e suas descendentes crioulas, pardas e mulatas tinham percepções culturais diferentes das europeias. Para muitas dessas mulheres, permanecer solteira não representava uma degradação, mas uma virtude.

O casamento católico na igreja, tão valorizado na cultura portuguesa, ainda não era uma prioridade para as mulheres de origem africana no Brasil colonial. Apenas mais tarde é que houve uma valorização do casamento no Brasil, e as mulheres solteiras passaram a ser estigmatizadas. Isso se deu através da importação da cultura portuguesa, disseminando aspectos culturais como a devoção à Santo Antônio (santo casamenteiro).58 A Igreja Católica se esforçou para instituir o casamento monogâmico na Europa no século XIII. Foi um processo árduo de normatização de comportamento feito à base de grande repressão. No Brasil, este processo só se concretizou a partir da segunda metade do século XIX, após a transferência da corte portuguesa para o Brasil. Antes disso, proliferavam no Brasil formas heterodoxas de organização familiar, imperando o concubinato e as relações temporárias. O papel da mulher no Brasil também era mais dinâmico do que se esperava para os padrões católicos de mulher recatada e devota, que se tentava imprimir.27 Só no século XIX, através de enorme repressão sexual, é que a concepção de que o sexo servia apenas para reprodução se instalou no Brasil e o casamento passou a ser a norma a ser seguida. Tal concepção só viria a se dissolver a partir da revolução sexual que se disseminou pelo mundo ocidental na década de 1960.

Na concepção de muitas mulheres de origem africana no Brasil colonial, o concubinato não restringia a liberdade das mulheres como o casamento, e ainda era uma forma de ascensão social, pois muitas escravas conseguiam a liberdade ao se unirem a homens brancos. Estes, após a morte, costumavam deixar bens para os filhos tidos com a concubina. Mulheres de origem africana figuravam em relações endogâmicas, poligâmicas ou mesmo relações monogâmicas, onde elas eram o centro dessa estrutura. Muitas ex-escravas, após conseguirem a liberdade, caíam na pobreza, por não dominarem algum ofício, somado ao preconceito por serem mulheres, de cor e ex-escravas. Algumas forras viviam em situação mais degradante do que alguns escravos, como os domésticos. Outras, por sua vez, se inseriam no mercado de trabalho e conseguiam uma ascensão social, acumulando riquezas. Estas moravam sozinhas, adquiriam escravos e desenvolviam atividades econômicas. Há vários relatos de mulheres negras e pardas forras, durante o período colonial, que desfrutavam de um padrão de vida equiparado ao da elite, principalmente em Minas Gerais, onde a ascensão social era mais maleável. Gozavam da liberdade de decidir o futuro de suas vidas, contrastando com a situação de submissão de muitas mulheres brancas, que primeiro viviam sob o jugo dos seus pais, para depois terem que se submeter ao marido, passando a viver praticamente enclausuradas dentro de casa. A figura mais emblemática da ascensão social das mulheres de ascendência africana no Brasil colonial é Chica da Silva, mas muitas outras mulheres forras desconhecidas alcançaram ascensão social semelhante.

Já no final do século XIX, a mistura entre negros brasileiros e imigrantes italianos não era incomum, conforme anotou um membro do Comissário Geral de Emigração (CGE), em tom preconceituoso: "A degradação não para nem diante da distinção de raça: não são incomuns os casamentos de italianos com negras e, o que é pior, de mulheres italianas com negros". Contudo, os casamentos eram exceções, sendo que a maioria dessas relações eram concubinatos, o que deixava em aberto um possível retorno do imigrante para a Itália e também refletia um preconceito de cor desses italianos, ao não assumirem formalmente seus relacionamentos com brasileiros de pele mais escura.
Foto: Relacionamentos e concubinatos no passado.

Na sociedade hierarquizada e excludente do Brasil colonial, as desigualdades social, racial e de origem entre os noivos obstaculizavam os casamentos legais. Quase sempre o Estado português impedia a união entre pessoas de condições desiguais, chegando a instaurar processos para examinar a origem dos nubentes. Em consequência, negros e mulatos só podiam casar com pessoas de igual condição. Contudo, a falta de mulheres brancas na colônia empurrava muitos homens brancos para relacionamentos com mulheres de cor. Dificilmente esses relacionamentos eram oficializados na igreja, haja vista a rigidez da legislação portuguesa, resultando em concubinatos, alguns passageiros, outros duradouros.

O concubinato com homens brancos, por um lado, era vantajoso para as mulheres negras e mulatas vez que, ao alcançarem a liberdade, conseguiam diminuir o estigma da escravidão e da cor, para elas próprias e, sobretudo, para seus descendentes. Por outro lado, a situação de concubinas lhes negava os privilégios legais inerentes à condição de esposa. O casamento oficial permitia à mulher tomar posse do pecúlio do marido, mas a concubinagem não, a não ser que a companheira fosse agraciada no testamento, o que frequentemente acontecia. Algo que parecia positivo no concubinato, todavia, era o fato de que evitava a perpetuação, nos documentos oficiais, dos estigmas de cor e da antiga condição de escrava da mãe. 

Em uma sociedade na qual a linhagem era supervalorizada e na qual a "marca" da escravidão era passada de geração em geração, a ocultação de uma origem escrava e negra na família era considerada vantajosa. Era o processo de "branqueamento", tanto biológico como social, que muitas ex-escravas legavam a seus descendentes.

A Igreja Católica tentava como podia reprimir o concubinato, considerado crime. De tempos em tempos, as vilas e arraiais eram visitados por bispos, as chamadas Visitas Eclesiásticas, com o intuito de apurar os crimes morais e de fé praticados pelos habitantes da colônia. Os moradores eram compelidos a confessar seus próprios crimes e a delatar outras pessoas. Nesses momentos, alguns confessavam o que já era público e notório, enquanto outros aproveitavam da situação para se vingar de vizinhos ou inimigos. Contudo, a Igreja, apesar dos intentos, por muito tempo não conseguiu controlar a proliferação dos concubinatos no Brasil.

A miscigenação de africanos no Brasil ocorreu sobretudo através de concubinatos envolvendo mulheres negras ou mulatas e homens brancos de origem portuguesa. Em um levantamento de pessoas acusadas de concubinato na Comarca do Rio das Velhas, em Minas Gerais, entre 1727 e 1756, os números mostram que entre os concubinos, 92% eram homens brancos. Porém, das concubinas, 52,1% eram africanas, 35,1% crioulas (negras brasileiras) ou mestiças, e apenas 11,8% eram brancas. Havia, portanto, um nítido predomínio de concubinato envolvendo um homem branco (92%) e uma mulher negra ou mulata (87,2%).61 Por muito tempo, a historiografia associava a prática disseminada da concubinagem no Brasil colonial à ausência de moral, à condição de extrema pobreza desses indivíduos, aos parcos recursos para realizar um casamento, à pouca disponibilidade de mulheres brancas etc. Estas explicações não levavam em conta a influência das culturas africana e indígena nesse contexto. As mulheres africanas e suas descendentes crioulas, pardas e mulatas tinham percepções culturais diferentes das europeias. Para muitas dessas mulheres, permanecer solteira não representava uma degradação, mas uma virtude.

O casamento católico na igreja, tão valorizado na cultura portuguesa, ainda não era uma prioridade para as mulheres de origem africana no Brasil colonial. Apenas mais tarde é que houve uma valorização do casamento no Brasil, e as mulheres solteiras passaram a ser estigmatizadas. Isso se deu através da importação da cultura portuguesa, disseminando aspectos culturais como a devoção à Santo Antônio (santo casamenteiro).58 A Igreja Católica se esforçou para instituir o casamento monogâmico na Europa no século XIII. Foi um processo árduo de normatização de comportamento feito à base de grande repressão. No Brasil, este processo só se concretizou a partir da segunda metade do século XIX, após a transferência da corte portuguesa para o Brasil. Antes disso, proliferavam no Brasil formas heterodoxas de organização familiar, imperando o concubinato e as relações temporárias. O papel da mulher no Brasil também era mais dinâmico do que se esperava para os padrões católicos de mulher recatada e devota, que se tentava imprimir.27 Só no século XIX, através de enorme repressão sexual, é que a concepção de que o sexo servia apenas para reprodução se instalou no Brasil e o casamento passou a ser a norma a ser seguida. Tal concepção só viria a se dissolver a partir da revolução sexual que se disseminou pelo mundo ocidental na década de 1960.

Na concepção de muitas mulheres de origem africana no Brasil colonial, o concubinato não restringia a liberdade das mulheres como o casamento, e ainda era uma forma de ascensão social, pois muitas escravas conseguiam a liberdade ao se unirem a homens brancos. Estes, após a morte, costumavam deixar bens para os filhos tidos com a concubina. Mulheres de origem africana figuravam em relações endogâmicas, poligâmicas ou mesmo relações monogâmicas, onde elas eram o centro dessa estrutura. Muitas ex-escravas, após conseguirem a liberdade, caíam na pobreza, por não dominarem algum ofício, somado ao preconceito por serem mulheres, de cor e ex-escravas. Algumas forras viviam em situação mais degradante do que alguns escravos, como os domésticos. Outras, por sua vez, se inseriam no mercado de trabalho e conseguiam uma ascensão social, acumulando riquezas. Estas moravam sozinhas, adquiriam escravos e desenvolviam atividades econômicas. Há vários relatos de mulheres negras e pardas forras, durante o período colonial, que desfrutavam de um padrão de vida equiparado ao da elite, principalmente em Minas Gerais, onde a ascensão social era mais maleável. Gozavam da liberdade de decidir o futuro de suas vidas, contrastando com a situação de submissão de muitas mulheres brancas, que primeiro viviam sob o jugo dos seus pais, para depois terem que se submeter ao marido, passando a viver praticamente enclausuradas dentro de casa. A figura mais emblemática da ascensão social das mulheres de ascendência africana no Brasil colonial é Chica da Silva, mas muitas outras mulheres forras desconhecidas alcançaram ascensão social semelhante.

Já no final do século XIX, a mistura entre negros brasileiros e imigrantes italianos não era incomum, conforme anotou um membro do Comissário Geral de Emigração (CGE), em tom preconceituoso: "A degradação não para nem diante da distinção de raça: não são incomuns os casamentos de italianos com negras e, o que é pior, de mulheres italianas com negros". Contudo, os casamentos eram exceções, sendo que a maioria dessas relações eram concubinatos, o que deixava em aberto um possível retorno do imigrante para a Itália e também refletia um preconceito de cor desses italianos, ao não assumirem formalmente seus relacionamentos com brasileiros de pele mais escura.