Não tem racismo mais cruel que o negado, que o escondido.
Hoje lembrei da greve dos garis.
Por uns dias os invisíveis se fizeram visíveis e os que não tinham voz falaram.
E surge de novo aquele assunto antigo.
A cor do gari não é a laranja, é a preta.
Não podia ser outra.
Brasil, o país policromado aos olhos do mundo, nas cores de seu carnaval.
Brasil, o país do eterno preto e branco.
O presídio em preto, a universidade em branco.
O gari em preto, o médico em branco.
A periferia em preto, o condomínio em branco.
O poder, em branco.
Nossas cidades construídas sobre guetos, sobre fronteiras, sobre divisões.
Nossas relações hierárquicas, de geometria vertical: a mulher em baixo, o negro em baixo, o homossexual em baixo.
Brasil e o mito perverso da democracia racial.
Os garis ganharam sua batalha.
As histórias brasileiras continuam se escrevendo em preto e branco.
O resultado é gris, cinzento, não podia ser outro.
* Esther Solano Gallego é doutora em Ciências Sociais pela Universidade Complutense de Madri e professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)