Minas Gerais concentrava a maior população de negros no século XVIII
Minas Gerais foi o estado que tinha a maior população de negros no século XVIII. Os homens e as mulheres chegaram com técnicas para extrair ouro e pedras preciosas. Com isso, muitos compraram a própria liberdade. "A costa oeste africana não era só um lugar de boçais, ali tivemos faculdades, ali tivemos países que trabalhavam o ouro e trabalhavam a prata e que eram organizados como um exército de duzentos mil homens”, fala Milton Gonçalves, ator.
”Durante muito tempo se pensou que o tráfico de escravos acontecia da seguinte forma: um negociante, um traficante, chegava num porto africano, nesse porto já estavam aí uma quantidade grande de negros já escravizados, que vinham de vários lugares, e pegava-se todos esses negros, enchia-se um navio. Essa aparente irracionalidade do tráfico parece não ter existido nunca. A maior parte dos escravos africanos que entra nessa região de mineração, são escravos provenientes de regiões mineradoras muito antigas do continente africano. Conheciam técnicas e técnicas específicas, inclusive formas que foram muito utilizadas aqui”, explica Eduardo França Paiva, professor de história da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“Essa história agora vai ser contada em função desse desejo comum de todos os brasileiros, especialmente dos negros que é os que vão, digamos assim, vão estar sendo premiados com o resgate, com a recuperação de memória, com identificação, com a identidade adequada a realidade da sua história”, completa o cantor e compositor, Gilberto Gil.
"A dificuldade, a meu ver, é recuperar o tempo perdido, essa é a maior dificuldade. Ou seja, nós abandonarmos o eurocentrismo exacerbado, que sempre marcou a historiografia brasileira”, comenta Joaquim Barbosa, ministro do Supremo Tribunal Federal.
O aumento da extração de ouro e pedras preciosas na região de Vila Rica fez o governo criar a famosa Estrada Real, que seguia até o Rio de Janeiro. “Nós vamos ter aí um grande fluxo de escravos para a região das minas. Os postos de controle, eles também passaram a se justificar para o controle não só do que saía, do ouro que saía, por exemplo, mas também dos escravos que entravam.então, ou seja, eram postos aonde eram cobrados impostos por toda mercadoria, mão de obra, que entrava, e bens, ouro, diamantes que saia, então, por isso que ficou esse conceito de Estrada Real”, orienta Antônio Gilberto Costa, geólogo e professor da UFMG.
A riqueza da região mineradora produziu uma nova classe social. Em nenhum outro lugar do Brasil havia uma proporção tão grande de negros livres. Muitos escravos negociavam com seus proprietários uma forma parcelada de pagar a alforria. "Parcelas ou semestrais ou anuais, muitas vezes pagas em ouro em pó. Outras vezes pagas com uma porta, uma galinha ou com prestação de serviço. Ao final do século XVIII, nós temos essa composição da população dessa área de mineração que, insisto, era a maior população de escravos, de libertos e de nascidos livres não brancos. No Brasil, e provavelmente em áreas reportadas assim, do mundo inteiro, nesse momento. Mais de um terço, na verdade, era constituída de ex-escravos e de descendentes de primeira geração. Outro 1/3 é constituído de escravos e o restante de brancos ou quase brancos”, completa Paiva.
Um pouco da história dos escravos e do dinheiro produzido pelo garimpo no século XVIII foi preservado na Casa dos Contos de Ouro Preto. Construída por uma espécie de banqueiro da época, virou sede da administração e contabilidade pública e foi restaurada nos anos 80. “A senzala, que hoje tem um piso pé-de-moleque original, em sua maior extensão, tava recoberta por cerca de 40 centímetros de terra batida, e ao pesquisá-la, ali, apareceram vários cadinhos jogados, misturados àquilo, e que hoje encontram-se em exposição na própria Casa de Fundição, junto com uma exposição da Casa da Moeda do Brasil”, fala o gerente regional do Ministério da Fazenda em Minas Gerais e responsável pela Casa dos Contos de Ouro Preto, Eugênio Ferraz.
Boa parte da arquitetura barroca de Minas Gerais também é uma herança dos negros. É o que conta o professor da UFMG. "A região de Moçambique. Essa região toda tem pedras sabão, o que nós chamamos de pedra sabão, e inclusive cidades inteiras construídas em pedra sabão. É um mineral que durante muito tempo se pensou que essa pedra sabão fosse algo exclusivo dessa região central das minas. Por isso todas as igrejas e todas as famosas portadas de Aleijadinho e dos outros escultores são sempre feitas em pedra sabão. Pensou-se muito, durante muito tempo, que isso foi feito com técnica europeia, não é mesmo. São escravos que conheciam técnicas, instrumentos, ferramentas específicas pra trabalhar com a pedra sabão.”